em construção permanente






quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A segunda vez é bem pior

E aí, como é que ele está?
Ele esta lá dentro, junto com o colega dele.
Faz tempo? Desde que horas?
Desde ás cinco horas da tarde. Eu cheguei faz uma hora mais ou menos e já conversei com ele. Expliquei qual é a situação e pedi para ele ficar tranqüilo que vai dar tudo certo.
Eu posso ir lá dentro falar com ele?
Acho que não. O local onde ele esta é restrito.
Mas e se eu falar com alguém e explicar que sou o irmão mais velho?
É melhor não. O cara que está de plantão não é nada agradável.
Droga! Esse moleque é foda! Eu vivo dando conselhos só que ele não me ouve. Faço tudo para ajudá-lo e parece que de nada adianta.
Só conselho não ajuda em nada querido. É preciso tomar uma ação e fazer ele mudar de atitude.
Mas como eu posso fazer isso se eu só trabalho? Não tenho tempo nem para cuidar da minha vida direito quanto mais da dele.
É complicado. Ele não é mais criança e tem consciência dos seus atos.
Tem nada doutora! Ele ainda é um moleque que acha que a vida é fácil.
Quantos anos ele tem?
Completou dezoito este ano!
Já teve alguma passagem?
Já. Por aquele lugar maldito no Tatuapé. Ficou quase um ano lá.
É, por aqui agora as coisas são mais complicadas.
Complicadas como doutora? Me disseram que ele não fez nada e que apenas estava junto com os outros caras.
Não foi bem isso o que a vítima disse. Ela o reconheceu como um dos que apontaram a arma para ela.
Arma? Espera aí doutora, que história é essa?
Ainda não te contaram que foi a mão armada?
Não acredito, só pode ser mentira. Ele não seria capaz de fazer uma coisa dessas, ainda mais sozinho. Eu conheço muito bem o meu irmão.
Bom, ele não estava sozinho. Era uma turma grande e quem teve a idéia foi ele próprio, junto com o outro garoto que esta lá dentro. Os dois me juraram que a arma era de brinquedo e que só queriam assustar a vítima e pegar o carro para darem uma volta.
O que ele tem na cabeça para fazer uma merda dessas?
Foi o que eu disse para ele lá dentro. Além de dar trabalho para a família, pode pegar um flagrante e tomar um prejuízo muito maior do que ele imagina.
Eu preciso falar com ele. Preciso ver como ele esta. Pode estar precisando de alguma coisa.
Olha só, agora é hora de manter a calma. Eu expliquei para o delegado que conhecia a família e ele desde pequeno, então, me deixou comprar umas bolachas e um refrigerante para ele dividir com o colega. A essa hora devem estar comendo. Pode ficar tranqüilo que fora o chão gelado ele esta bem.
Tá com ironia doutora?
Eu? Imagina.....só estou sendo real.
Quem é o cara que esta com ele?
É lá debaixo também, mas eu nunca vi a cara dele por lá.
Enxú do caralho! Só aparece encosto ruim na merda daquela rua.
Eles vacilaram. Me diz uma coisa: pra quê roubar a bosta de um carro se não sabem nem dirigir ainda?
Não sei doutora! Mas você não é inocente e sabe como é que é. Na quebrada os playboys vivem desfilando os panos novos. A cada semana exibem um carro novo e aí a molecada fraca da cabeça vai no embalo mesmo, entendeu? Bate aquele sentimento mesquinho da inveja, querendo ser igual ao cara. É difícil pra quem nasce com nada e vê um sujeito de carne e osso que nem ele, pagando de Audi e com uma loira gostosa do lado. A maldita da inveja vem e rouba a alma da molecada, sem dó. É aquela coisa, porque ele pode e eu não? Este é o pensamento pobre do pobre. Mas eu tenho fé que ainda vai chegar o dia em que eles irão aprender que ninguém nesta vida precisa de um carro zero e nem de uma Vampira pendurada no pescoço para sobreviver. E quando isso acontecer, escreve o que eu estou te dizendo, a inveja da molecada será sepultada, para sempre. E o filho burguês do patrão morrerá na eterna solidão, sem ninguém para ficar babando no ronco dos seus motores.




Sérgio Silva, São Paulo.