em construção permanente






sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Joãozinho


Joãozinho era um menino muito diferente dos outros alunos em sua escola.
Havia um mistério na sua educação que nem o mais atencioso dos professores conseguia notar. Em conseqüência, passava despercebido entre as demais em sua sala de aula. Hora ia bem, hora mau, nos resultados do boletim escolar. Era aplicado e esforçado. Diziam alguns professores para a sua mãe nas reuniões de pais e mestres, no final de cada bimestre. Porém, algo de errado com ele existia e, somente Joãozinho sentia.
Sua mãe era analfabeta e trabalhava como empregada doméstica. Acompanhava ás lições de casa literalmente no escuro, sem poder opinar se o menino estava fazendo certo ou tudo errado. Na maioria das vezes, era necessário ajuda de uma vizinha que tinha estudado até a quarta série. E assim, Joãozinho conseguia desempenhar o seu papel de coadjuvante na escola.
Sabia-se desde cedo, que alguma coisa não funcionava direito em sua educação. Mas na sua completa inocência de criança, não tinha condições de entender exatamente o que era. Isto era um incomodo e o acompanharia até o final da sua vida.
Morava em uma pensão dividida em dezenas de quartos que era ocupada por tantas famílias que, quando pisava no quintal, um estranho era a primeira pessoa a cumprimentá-lo. Em um desses quartos, medindo cinco metros quadrados, ele dividia com a mãe e mais um punhado de irmãos.
Achava o local muito estranho e não entendia porque não existia um jardim no seu quintal.
Na escola todos os seus colegas desenhavam casas com árvores, jardins cheios de flores e um sol sorridente iluminando a família. Sonhava com isto todas as noites e desejava que sua vida fosse um desenho. Pura inocência! Inconscientemente provava que ainda existiam pessoas inocentes vivendo em São Paulo.
Em uma determinada manhã ao sair do cômodo, para mais um dia de aula, sentiu o terror que definitivamente acabaria com a sua ingenuidade.
Havia na calçada, em frente à pensão, um corpo estirado no chão. Era o corpo de um homem e estava baleado. Tinha dois buracos no peito e um no pescoço.
Joãozinho queria ver para entender porque aquele líquido vermelho escorria daquele homem.
Mas sua mãe, apressada para mais um dia de faxina, não deixará o menino estudar a cena.
Intrigado, Joãozinho perguntou por que o homem não se mexia. Cuidadosamente ela respondeu que nós somos feitos de carne e quando morremos nos transformamos em pedra.
Na escola durante a aula de desenho livre, a professora que tomava conta de mais vinte e duas crianças, notou a quietude de Joãozinho com um olhar fixo para o seu desenho. Ela aproximou-se e observou que o desenho era composto apenas por uma mancha vermelha e não conseguiu entender porque ele era a única criança que não sabia desenhar.


Sérgio Silva, Setembro de 2010.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Casamento ou Vasectomia


Depois do nascimento da minha segunda filha minha mulher me pediu uma prova de amor.
Ela queria que eu fizesse uma vasectomia para evitarmos a terceira gravidez que poderia atrapalhar a continuação da sua carreira profissional.
Nisso existia um grande problema. Eu tinha medo de ir ao médico, do nome desta operação e não gostava de usar camisinha.
Eu era um completo ignorante sobre assunto e, na dúvida, fui procurar ajuda.
Ouvi de um ombro amigo que a cirurgia funcionava com um corte na parte inferior da bolsa escrotal, em seguida cortavam o canal por onde os espermatozóides percorriam e que depois era dado um nó neste mesmo canal. Algo simples para um açougueiro, mas para mim não.
No final da nossa conversa, meu amigo resumiu que tudo isso poderia deixar um homem broxa.
Procurei ajuda de um amigo e o filho da puta me deixou ainda mais preocupado.
Acabei indo parar na frente de um computador para pesquisar na internet. Descobri o enigma sobre a operação e que o meu amigo estava certo. A única diferença foi que os sites não me assustaram, talvez porque tinham interesse que o maior número de pessoas pudesse realizar a incisão.
O nó poderia ser desfeito como o nó dado no cadarço de um tênis e assim qualquer homem voltaria à fertilidade natural. Esta foi a minha conclusão após dias de pesquisa.
Mesmo assim, dei a notícia para minha mulher que não faria a cirurgia e ela decidiu pedir o divórcio.
Três meses depois pagando pensão alimentícia e acostumado a morar sozinho resolvi por um fim na minha solidão.
Novamente parti em busca de ajuda, só que desta vez, em uma igreja evangélica próximo à kitchenette que eu havia alugado no centro da cidade.
O pastor me recebeu de braços abertos, disse que a casa de Deus também era a minha casa e fez a promessa de encontrar a cura para a minha solidão.
Um mês depois de freqüentar a Igreja Sagrada do Digníssimo Pai Senhor de Jesus Cristo, o pastor me arrumou uma mulher. Afirmou que ela seria a cura do meu problema.
Fiquei sabendo que também era freqüentadora da igreja, mesmo nunca tendo a encontrado por lá, e que passava pelo mesmo problema que o meu.

O pastor me disse que a conhecia á muitos anos, que era uma mulher muito amável, que se tornaria uma ótima companheira e que era a enviada pelo nosso senhor Jesus cristo para me salvar.
Uma semana e meia após o nosso primeiro encontro eu estava morando com a mulher enviada pelo nosso senhor, no meu pequeno e apertado espaço alugado.
Antes da nossa primeira noite de amor contei para ela a história da vasectomia. O resto ela já sabia através da conversa com o pastor.
Disse que não se importava com nada e que só queria ser feliz ao meu lado.
Colocou a calcinha de lado, pediu para que eu penetrasse bem fundo e depois jorrasse o máximo que eu pudesse do meu líquido branco e quente dentro da sua vagina.
Apesar de ser uma mulher evangélica, sua reação não me surpreendeu.
Toda mulher possui o seu lado selvagem, independente do credo ou religião.
Realizei o seu pedido pela metade. Deixei o líquido para quando descobrisse a data exata do teu ciclo menstrual.
A mulher era uma depravada na cama. Pensava em sexo vinte e quatro horas por dia.
A investigação levaria muitos dias, talvez até meses e para evitar uma tragédia, passei a fazer hora extra no trabalho. Certamente, cedo ou mais tarde, ela engravidaria.
Dei uma desculpa e nos separamos
Voltei na igreja para agradecer ao pastor e explicar que ela merecia um homem melhor.
Fui procurar um especialista e vinte dias depois eu me tornara um novo homem, castrado.  
Desesperadamente fui atrás da minha ex-mulher para lhe dar a boa notícia e propor a volta da nossa união.
Cheguei à sua casa (a mesma que eu ajudei a construir) e ela não estava mais sozinha.
Explicou como o havia conhecido. Que era um bom pai para as nossas filhas e neste momento da sua vida era o homem que amava.
Contei sobre a minha novidade na esperança de ver um sorriso no seu rosto, mas ela apontou para o calendário pendurado na parede sem dizer mais nenhuma palavra.


Sérgio Silva, 2011.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Flagrantes em uma cidade suja


Faz tempo que a sustentabilidade virou conversa fiada



querem me falar de sustentabilidade 
enquanto a verticalização da cidade
com sua boca de Crocodilo
destróça o quintal das nossas casas
e sustenta a máquina do negócio imobiliário


educação de consumo
é a base para mercantilização 
do produto



Texto e Fotos: Sérgio Silva




quarta-feira, 25 de maio de 2011

A pequena história de um grande escritor revolucionário


Eu não conseguia terminar de escrever nenhuma história no mesmo dia em que a começava.
Minha casa não tinha tanto espaço, eu chegava tarde do trabalho e as crianças iam para a cama tarde da noite.
Minha mente fervia em um caldeirão cheio de idéias e eu não conseguia aproveitá-las no momento que brotavam na cabeça. Depois, com o passar do tempo, acabava esquecendo e isto se tornava um problema.
Foi dentro do banheiro, sentado no vaso sanitário, fazendo minhas necessidades vitais que descobri o lugar que tanto almejava encontrar.
O perfeito isolamento do mundo em pouco mais de dois metros quadrados.
Todo escritor precisa de um isolamento físico durante sua produção literária, nem que seja por apenas alguns minutos. E dentro do meu próprio banheiro encontrei o meu.
Passei a escrever meus contos e minhas poesias trancado dentro do banheiro por pelo menos uma hora por dia. Antes disso eu só fazia palavras cruzadas para aproveitar o tempo.
Com o passar dos dias, passei a escrever nas portas dos banheiros de bar, completando os recados que as pessoas deixavam. Acredito até que foi daí que alguém teve a idéia do Twitter.
Para mim, esta nova experiência era inovadora e revolucionária. Um mês depois desta descoberta eu praticamente havia virado um escritor de banheiro. Minhas histórias cresceram junto com a minha técnica e, desta forma, desenvolvi uma característica peculiar de como eu enxergava o mundo. Tudo que escrevia estava mais real e a ficção que antes era uma marca registrada na minha escrita, havia descido descarga abaixo.
O grande detalhe desta descoberta foi que toda pré-elaboração de um texto vinha de uma pós-cagada. Sendo assim, antes de começar a digitação, era necessário fazer uma limpeza intestinal. Este era o grande segredo. Eliminar todas as más idéias junto com o que o nosso corpo não quis absorver para o nosso organismo.
Meses depois minha mulher começou a implicar por causa da demora no banheiro, afinal, ela também tinha as suas necessidades que demoravam tanto quanto as minhas.  Eu lhe pedia paciência, pois não podia abandonar um texto logo após uma exuberante cagada. Por algum um tempo ela entendeu, mas depois a situação começou a ficar insuportável. E para continuar
com o meu intelecto refúgio e não privatizá-lo tanto assim, meus textos passaram a ser mais curtos.
Conseqüentemente o tamanho da massa que compunha meus troços também diminuiu. As fezes escorriam através do meu intestino grosso com mais facilidade e minhas idéias fluíam como um Tsunami, aumentando minha produção literária.
Depois que tive vários textos publicados na internet revelando seu local de origem, muitos leitores e outros escritores passaram a assinar onde escreviam suas histórias e, para a minha surpresa, a grande maioria também tinham a mesma origem. Assim, uma legião de escritores de banheiro surgiu no mundo inteiro, principalmente no Brasil.
Muitos adeptos passaram a me escrever constantemente agradecendo pela tal descoberta.
Anos mais tarde, depois de grandes “Best-Sellers” saírem de dentro de um banheiro, na capital do nosso país, um grupo de escritores de banheiro decidiu fundar á Academia do Banheiro de Letras, que tinha como o seu principal objetivo defender e premiar as obras com maior relevância no cenário nacional. Fui nomeado presidente de honra da entidade e uma vez por semana, sempre na quinta-feira, nos reuníamos para discutir os rumos da nossa arte com a intenção de colocá-la no seu devido patamar.  


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

UM ESPAÇO OCUPADO NA H LÁXIA

E começo aqui e meço aqui este começo......

Sob luzes apagadas e um respeitoso silêncio, surgiu dos altos falantes a voz de Haroldo de Campos recitando o excerto de GALÁXIAS. Assim, deu inicio a abertura da ocupação em homenagem a um dos mais significativos poetas brasileiro aos que conseguiram chegar ao Itaú Cultural (muitas pessoas desistiram de ir no meio do caminho devido aos engarrafamentos e alagamentos que mais uma vez castigaram a cidade).

Em seguida, Livio Tragtenberg nos presentiou com a desconstrução de frases poéticas do homenageado da noite, com sua composição musical recheada de "Beats" produzida especialmente para este trabalho.

Logo após a apresentação do Livio, subiu ao palco um dos curadores, Frederico Barbosa, para a leitura do poema "Servidão de Passagem", arracando suspiros e aplausos dos guerreiros que estavam presentes na platéia. Frederico ainda nos contou algumas curiosidades sobre os irmãos Campos. Em uma delas, revelou (para mim foi uma revelação) que Haroldo não gostava de ser rótulado como um poeta Concretista. Para finalizar sua cerimônia, leu com muita emoção a carta que Augusto escreveu para o seu irmão, logo após sua morte. Um texto fantástico que agora estou à procura.

Arnaldo Antunes também apareceu por lá e emprestou sua voz para a leitura dos poemas.

A homenagem foi encerrada após uma leitura com a voz do Arnaldo puxando o começo do texto (confere a seguir), a do Frederico em seguida e a do Livio acompanhando-os como se estivesse em um trânsito ou em um corredor com uma pessoa seguindo os passos da outra.

o

g
ar

gal
har
b

ar
roco
quer
se
sol
t
ar
par
a

bril
har
no
ar
co
i

riso
sol
ar
do
har
ol
do


 

Frederico Barbosa durante a leitura de poema "Servidão de Passagem".


Livio Tragtenberg em sua contundente apresentação

Irmãos Campos - Siamesos







Livio Tragtenberg musicando a poesia
de Haroldo de Campos no Itaú Cultural



A programação da ocupação pode ser conferida aqui

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

25 de janeiro de 2011 foi assim



A Biblioteca Mário de Andrade reabriu no aniversário de São Paulo sob protestos de manifestantes que aproveitaram a presença do prefeito Gilberto Kassab, para protestarem contra o aumento da tarifa dos ônibus na capital.

Estava presente com a minha família e aproveitei para dar o meu recado ao prefeito: "Kassab gastei R$12,00 com ônibus para trazer minha sogra, esposa e minhas duas filhas e chegar até aqui. Na volta para casa vou ter que gastar mais R$12,00."



Este rapaz que participou da manifestação foi agredido com uma gravata por um segurança e expulso da Biblioteca.



Esta cena o Kassab não teve tempo de ver. Empregadas tentavam conter o avanço da água que invandiu o corredor por onde as pessoas transitavam. Dois baldes foram deixados no local por causa das inúmeras goteiras que davam o seu espetáculo. A Bliblioteca permaneceu cinco anos fechada e será que não foi possível construir o teto de uma maneira adequada?
Uma pena que o nosso prefeito não viu esta cena. Logo que a chuva começou a castigar a cidade, ele deixou o local. Será que ficou com medo de enfrentar uma enchente por aí?




O vice campeão das últimas eleições também deu o ar da sua graça e pude registrar com extremo carinho a sua presença. Sei bem o que é isso!




O catálogo de livros disponíveis na Bliblioteca é enorme e bem variado. Vi poucas obras em estado crítico que facilmente poderiam ir para uma reciclagem (pelo custo não valia a pena uma tentativa de recuperação).

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Boca seca alma lavada

  Saí do consultório morrendo de sede. Minha língua estava grudando no canto da boca, completamente seca, por causa do tempo que fiquei sem beber água. Mais de quatro horas. Este era o pré-requisito para poder realizar o exame. Muitas vezes, quatro horas pode não parecer nada, mas no meu caso, da forma que passei, é para ser escrito. Imagina um dia com a temperatura acima dos vinte e oito graus e você trabalhando pendurado em um telefone, discutindo com os clientes, falando mais de quinhentas palavras por minuto, trancado em uma sala com o ar condicionado quebrado e sem poder beber se quer um gole d`água? Fácil? Não! Passar por isso é muito foda!
  A noite estava convidativa. Passado o sufoco e com o exame realizado, pensei: Agora é a minha vez. Vou acabar com esta sede tomando uma cerveja bem gelada, no primeiro bar que eu encontrar. Sozinho mesmo. Quando estou na chuva é para me molhar. Mas aí lembrei que precisava comprar um livro. Uma lâmpada acendeu sobre a minha cabeça e Pin! É isso! Compro o livro e depois sento para ler tomando uma cerveja. Quem sabe, talvez até duas.
  Fui até a livraria de um shopping burguês com um nome francês que não consigo pronunciar direito. Era o local mais próximo do consultório e como estava sem opção, desci a avenida em direção ao Shopping. Não gosto de entrar em shopping Center a não ser para comer ou usar o banheiro. Sinto uma coceira por todo o corpo quando olho para as vitrines com aqueles manequins cor de pele. Pelo menos eu teria uma vantagem indo naquele lugar: a localização era em um ponto estratégico para voltar para casa. Além do que, estaria ao lado do SESC Pompéia, um ótimo local para sentar, ler um livro e tomar uma cerveja.
  Cheguei à livraria e fui logo perguntando sobre o livro do Manoel de Barros, Ensaios Fotográficos, para a primeira mocinha que encontrei. Enquanto ela fazia a pesquisa no computador eu ouvia o mp3 do Jorge Ben e batucava com os dedos na mesa do balcão.  Senti que ela estava curiosa para saber o que eu ouvia, então, soltei um pedacinho da letra em voz baixa, para matar a sua curiosidade logo de uma vez. Todo mundo tem curiosidade de saber o que o outro está ouvindo, isto é fato. Em troca ela me disse que não tinha o livro por que estava fora de catálogo há mais de quatro meses. Pensei com os meus miúdos: Shopping Center não serve nem para comprar um livro. Se tivesse um sebo aqui por perto, com certeza, o vendedor me daria outra resposta.  Enfim, como já havia arquitetado um plano para aquele resto de noite, decidi não deixar a falta do Manoel de Barros estragar com tudo. Falei para a moça do atendimento que levaria outro livro.

-Moça? Li o nome dela no crachá começando com três consoantes, mas não tive coragem de pronunciar.  
-Ela, pois não senhor.
-Então, você tem o do Ferréz?
-Ela, qual?
-O Capão Pecado.  Acho que é o primeiro dele.
-Ela, deixe-me ver.............humm.............aqui não, mas consigo amanhã pra você.
-Quanto custa?
-Ela, tanto!
-Eu disse: Estou com muita sede, pra amanhã esta caro. Preciso ler alguma coisa agora.
-Ela, bom......sendo assim........

   Ela entendeu a minha necessidade e me ofereceu outro livro do cara. Mesmo sem os Ensaios Fotográficos e o Capão Pecado, saí contente da loja. Até que enfim iria ler um livro do Ferréz. Já tinha lido um texto e uma entrevista dele para uma revista. Gostei muito da idéia do cara. A partir daí, ele já tinha entrado na minha lista de leituras obrigatórias antes de morrer. Eu tenho disso. Conforme vou conhecendo novos escritores, uma lista começa a se formar na minha cabeça. Fica tudo guardado e quando aparece uma oportunidade, a lista vem à tona.
  A maior contradição acabará de acontecer comigo. Comprei o livro do Ferréz na livraria de um shopping burguês pra caramba, em plena na zona nobre de São Paulo. Desde quando criei a lista, pretendia comprar o livro das mãos do escritor. Queria o livro direto da sua origem. Uma pena que a oportunidade não veio.
  A vida é assim mesmo, cheia de contradições. Mas aí, pensando bem, esta contradição até que teve algo de interessante. No meio da burguesia eu podia encontrar uma linguagem que me dizia a respeito. É sinal que a classe marginalizada esta tomando o seu espaço de direito e adquirindo o seu devido reconhecimento. Isto sim não tem preço!
  Desci a escada rolante comendo as páginas do livro.  A cada linha lida era uma paulada na cabeça e as contradições em minha vida iam aumentando.  Ainda mais depois da cena que eu vi. Um cara dentro de um salão de beleza estava sentado em um banquinho com uma das pernas esticadas e um Tribal enorme tatuado. O cara fazia as unhas como se fosse uma dama. Puta cena estranha! Sem contar com o desfile de homens mais velhos com mulheres mais novas. Cruzou na minha frente um cara barrigudo e careca, de mãos dadas com uma linda morena de olhos claros. A mina era tipo modelo de capa de revista de moda. Sem pré-conceitos, mas aquilo era amor, a filha dele ou mais uma contradição tentando salgar ainda mais a minha boca?
  Deixei aquelas esquisitices para trás e cheguei ao Sesc no limite da sede que um ser humano pode agüentar. Com um pouco de pressa tomei um pouco de água para enganar os rins e em seguida pedi duas latinhas para acabar de vez com a maldita. Refleti um pouco sobre como uma criança na seca do nordeste pode suportar a falta de água por tantos dias. Eu que já era um adulto acostumado a andar pelas ruas escaldantes de São Paulo não estava mais agüentando, imaginem elas no meio daquele sertão todo. Cada uma rezando uma prece diferente para que o céu mande uma gota de chuva.
  Depois deste pensamento perturbador, tive a consciência de que aquelas horas que passei com sede não significavam nada.
  Relaxei. Escolhi uma mesa vazia e devorei ali mesmo, tomando minha cerveja gelada, mais um livro em minha vida.
 

Sérgio Silva,
Vila Jaguara, Setembro de 2010.