Joãozinho era um menino muito diferente dos outros alunos em sua escola.
Havia um mistério na sua educação que nem o mais atencioso dos professores conseguia notar. Em conseqüência, passava despercebido entre as demais em sua sala de aula. Hora ia bem, hora mau, nos resultados do boletim escolar. Era aplicado e esforçado. Diziam alguns professores para a sua mãe nas reuniões de pais e mestres, no final de cada bimestre. Porém, algo de errado com ele existia e, somente Joãozinho sentia.
Sua mãe era analfabeta e trabalhava como empregada doméstica. Acompanhava ás lições de casa literalmente no escuro, sem poder opinar se o menino estava fazendo certo ou tudo errado. Na maioria das vezes, era necessário ajuda de uma vizinha que tinha estudado até a quarta série. E assim, Joãozinho conseguia desempenhar o seu papel de coadjuvante na escola.
Sabia-se desde cedo, que alguma coisa não funcionava direito em sua educação. Mas na sua completa inocência de criança, não tinha condições de entender exatamente o que era. Isto era um incomodo e o acompanharia até o final da sua vida.
Morava em uma pensão dividida em dezenas de quartos que era ocupada por tantas famílias que, quando pisava no quintal, um estranho era a primeira pessoa a cumprimentá-lo. Em um desses quartos, medindo cinco metros quadrados, ele dividia com a mãe e mais um punhado de irmãos.
Achava o local muito estranho e não entendia porque não existia um jardim no seu quintal.
Na escola todos os seus colegas desenhavam casas com árvores, jardins cheios de flores e um sol sorridente iluminando a família. Sonhava com isto todas as noites e desejava que sua vida fosse um desenho. Pura inocência! Inconscientemente provava que ainda existiam pessoas inocentes vivendo em São Paulo.
Em uma determinada manhã ao sair do cômodo, para mais um dia de aula, sentiu o terror que definitivamente acabaria com a sua ingenuidade.
Havia na calçada, em frente à pensão, um corpo estirado no chão. Era o corpo de um homem e estava baleado. Tinha dois buracos no peito e um no pescoço.
Joãozinho queria ver para entender porque aquele líquido vermelho escorria daquele homem.
Mas sua mãe, apressada para mais um dia de faxina, não deixará o menino estudar a cena.
Intrigado, Joãozinho perguntou por que o homem não se mexia. Cuidadosamente ela respondeu que nós somos feitos de carne e quando morremos nos transformamos em pedra.
Na escola durante a aula de desenho livre, a professora que tomava conta de mais vinte e duas crianças, notou a quietude de Joãozinho com um olhar fixo para o seu desenho. Ela aproximou-se e observou que o desenho era composto apenas por uma mancha vermelha e não conseguiu entender porque ele era a única criança que não sabia desenhar.
Sérgio Silva, Setembro de 2010.