Fazia-se silêncio.
Mas o silêncio era tão profundo que se tornava barulhento.
E misturava-se com o som da água que pingava da torneira irregular sobre a pia.
A parede branca se perdia atrás das minhas costas.
A janela estava longe de tudo.
Quase não me reconheci através do buraco do espelho.
O rosto estava inchado e a barba por fazer.
Chamei pelo meu nome e não pude ouvir minha própria voz. Movimentei os olhos da esquerda para a direita, de cima para baixo, e eles permaneceram paralisados.
Quis fechar a torneira e minhas mãos não me obedeceram.
Eu sentia todos os meus membros, mas eles não obedeciam aos meus comandos.
Esta estranha sensação de não ter resposta aos meus pensamentos virou medo.
Pensei em algo que eu poderia fazer e os fragmentos dos meus pensamentos dissolveram-se através do reflexo do espelho. Não descobri para onde foram e nem como se foram. Restavam-me somente as dúvidas.
Talvez tivessem escorrido através do ralo da pia junto com a água que pingava da torneira. Talvez tivessem me abandonado durante o sono. Talvez tivessem caído no chão do lado de lá.
Ver a minha imagem através de poucos centímetros de largura, pelo menos nesta hora, significava que eu ainda estava vivo.
Assim o medo vai embora.
Não preciso mais ficar aqui de olhos abertos contando o tempo através da passagem dos raios de luz pela tênue fresta da janela.
Tenho uma vida lá fora e com ela preciso continuar.
O ruído da água calou-se e um novo silêncio acordou-me diante do espelho do banheiro.
Meu coração encheu-se de esperança mesmo não o sentindo há mais de meio século.
Sérgio Silva.